Aprovação do Fundeb na Câmara dos Deputados é uma vitória importante, mas ainda há muitas lutas a travar, considera docente da FFCLRP

Adusp

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (21/7), em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2015, que torna permanente o Fundo de Desenvolvimento e Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb) e eleva a participação da União no financiamento da educação infantil e do ensino fundamental e médio.

A aprovação em segundo turno se deu por uma esmagadora maioria de 492 votos a 6, com uma abstenção – eram necessários 305 votos. Dos seis parlamentares contrários à proposta, quatro são do PSL: Bia Kicis (DF), Chris Tonietto (RJ), Filipe Barros (PR) e Cabo Junio Amaral (MG). Os demais são Paulo Martins (PSC-PR) e Dr. Zacharias Calil (DEM-GO). A PEC agora segue para o Senado.

Na votação em segundo turno, o Novo apresentou destaque contra a inclusão do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), um indicador que mostra quanto deve ser investido ao ano por aluno de cada etapa e modalidade da educação básica. A manobra não foi aprovada.

Daniel Cara, docente da Faculdade de Educação (FE) da USP e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, comemorou em sua conta no Twitter: “Para deixar claro: vencemos o Partido Novo, o governo Bolsonaro e o mercado financeiro. Vencemos porque a Educação não permitiu ser derrotada. […] Com conhecimento da realidade das escolas e redes públicas, com argumentos técnicos e com mobilização popular, vencemos no Fundeb”.

De acordo com o parecer da relatora, Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), a contribuição da União crescerá de forma gradativa, de 2021 a 2026, dos atuais 10% para 23% do total do Fundeb: 12% em 2021; 15% em 2022; 17% em 2023; 19% em 2024; 21% em 2025; e 23% em 2026. Um acordo entre os deputados contemplou o pedido do governo federal para enviar 5% do benefício para a educação infantil (creches e pré-escolas para crianças de 0 a 5 anos).

Em 2019, o Fundeb distribuiu R$ 156,3 bilhões para a rede pública. Os repasses da União, que representam 10% do fundo, não entram no teto de gastos estabelecido pela Emenda Constitucional 95/2016. A lei que regulamentará o novo Fundeb deverá levar em conta as metas do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), o valor anual por aluno investido em cada etapa e modalidade, a transparência e o controle social dos fundos e o conteúdo e a periodicidade da avaliação dos indicadores de qualidade.

“Milhares de jovens estão fora da escola, não têm trabalho e não acreditam que a escola pode melhorar a sua vida”, lamentou a deputada Dorinha Rezende, de acordo com a Agência Câmara de Notícias. Em sua avaliação, o novo texto procura reduzir a desigualdade na educação brasileira. “Não tem sentido uma criança ter R$ 19 mil de custo por ano e outra que não chega a R$ 2 mil em vários municípios brasileiros. Não é esse o país que nós queremos.” A aprovação do parecer só foi possível, continuou, “graças ao diálogo e ao empenho dos deputados”.

Participação da União mais que dobrou, “o que é uma conquista”, diz docente da FFCLRP

A valorização do diálogo na Câmara dos Deputados para a aprovação do projeto é ressaltada também pelo professor José Marcelino de Rezende Pinto, docente do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e diretor regional da Adusp em Ribeirão Preto. “Foi um esforço da sociedade brasileira, dos movimentos de luta pela educação, dos sindicatos e universidades, sem falar na ideia de que o Fundeb agora é permanente, com uma evolução em relação ao modelo anterior”, aponta. Na última segunda-feira (20/7), a Adusp emitiu um posicionamento público em apoio à aprovação do substitutivo da deputada Dorinha.

Marcelino salienta, entretanto, que “o projeto não é o dos nossos sonhos”. Entidades como a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) têm mostrado que, para a garantia de um patamar básico de qualidade, o complemento da União deveria estar na faixa de 40%, diz. “De qualquer maneira, saímos de 10% para 23%, o que é uma conquista. A União, que fica com mais da metade da receita de tributos, ainda contribui pouco para a educação básica, mas mais do que dobrou a sua participação”, afirma.

Entre os pontos que considera importantes no texto aprovado, Marcelino cita o fato de que o Salário-Educação não foi incluído no cálculo do complemento, assim como a contabilização do pagamento dos professores aposentados. Os novos critérios para a complementação vão permitir que municípios pobres num Estado considerado rico, como é São Paulo, recebam esses recursos, o que antes não acontecia, diz.

Uma parcela do novo percentual de complemento, porém, será associada a indicadores de desempenho, o que Marcelino considera injusto. Estudos no mundo inteiro demonstram que 70% da nota dos alunos em exames como a Prova Brasil ou o PISA estão associados a fatores como escolaridade dos pais e disponibilidade de jornais, livros ou computador em casa. “Mesmo que a escola faça um bom trabalho, terá um desempenho menor em regiões mais pobres. É injusto vincular o dinheiro dessa escola e a remuneração do professor a esses resultados”, avalia o docente da FFCLRP.

Marcelino observa que ainda está pela frente a luta pela aprovação da PEC no Senado e pela regulamentação de temas como os fatores de ponderação do CAQ. A questão da educação infantil também sempre foi mal resolvida no Fundeb, considera, porque o aluno de creche tem custo maior do que o do ensino fundamental, por conta de itens como o menor número de crianças por professor, por exemplo, o que acaba desestimulando os municípios a ampliar a rede de educação infantil, procurando convênios com setores privados para atender a essa demanda.

“Não basta só Fundeb. Precisamos de políticas mais estruturantes. Mas a aprovação do projeto é uma vitória importante da sociedade, fruto de lutas, e representa ‘um respiro’ em meio a tantas notícias ruins”, pondera.

Fonte: Adusp, disponível em https://www.adusp.org.br/index.php/defesa-do-ensino-publico/3758-fundeb-ffclrp

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