Manifesto do Movimento pela Ciência e Tecnologia Pública

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Instituições públicas de ensino superior e de pesquisa (universidades públicas e institutos públicos de pesquisa) que de fato estejam comprometidas com a produção de conhecimento público, voltado à inclusão e de interesse social, são fundamentais para o desenvolvimento social brasileiro. E foi com este objetivo – de defender a produção de conhecimento público – que entidades sindicais, de representação de docentes e pesquisadores, núcleos e grupos de pesquisa criaram o Movimento pela Ciência e Tecnologia Pública (MCTP).

Desde o seu surgimento, em 2015, o MCTP esteve sempre voltado a:

– lutar contra a privatização das universidades públicas;

– lutar contra a privatização dos institutos e empresas públicas de pesquisa;

– lutar contra a privatização do conhecimento gerado a partir de financiamento público;

– lutar pela quebra de patentes para que a sociedade tenha acesso ao conhecimento gerado;

– lutar pela democracia e liberdade de expressão nas instituições públicas de ensino superior e nos institutos de pesquisa.

LUTAMOS CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DAS UNIVERSIDADES!
Embora os discursos oficiais tratem como consequência natural das crises econômicas, estamos, na realidade, vivenciando uma política intencional de sucateamento das universidades públicas brasileiras. Esse sucateamento ocorre por meio de dois mecanismos. Um, é o corte de orçamento. O Ministério da Educação (MEC) terá em 2021 o corte de 18% de seu orçamento, comparado ao de 2020. Caso o corte se concretize, serão R$ 4,2 bilhões a menos para as escolas públicas, universidades federais e institutos federais de todo o País.

Outro, é a cobrança de mensalidades de alunos. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, em 2017, constitucional a cobrança de mensalidade em cursos de pós-graduação lato sensu por universidades públicas. Nota-se que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) se manifestou favorável a essa cobrança. Já o relatório “Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, produzido pelo Banco Mundial a pedido do governo brasileiro e publicado em 2017, concluía que “as despesas com ensino superior são, ao mesmo tempo, ineficientes e regressivas. (…) Uma vez que diplomas universitários geram altos retornos pessoais (em termos de salários mais altos), a maioria dos países cobra pelo ensino fornecido em universidades públicas e oferece empréstimos públicos que podem ser pagos com os salários futuros dos estudantes. (…) Não existe um motivo claro que impeça a adoção do mesmo modelo para as universidades públicas”.

Portanto, defender a gratuidade do acesso de alunos aos cursos superiores e a manutenção da autonomia financeira é central para a preservação do caráter público das universidades.

LUTAMOS CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DOS INSTITUTOS E EMPRESAS PÚBLICAS DE PESQUISA!
Faz parte da mesma política de sucateamento das universidades públicas também o desmonte das instituições públicas de pesquisa. Isso pode ser observado nos cortes de recursos dessas instituições.

O orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações (MCTI) deve ter uma redução de 34% em 2021 se comparado a 2020. No ano passado, o orçamento do ministério já havia perdido 15% em relação a 2019. Esse corte compromete, além de outros programas de investimento em ciência e tecnologia, a sobrevivência dos 16 institutos de pesquisa ligados diretamente ao Ministério.

Na comparação das propostas orçamentárias do governo federal de 2019 e 2020 estava previsto o corte de 5% dos recursos da Fiocruz, uma das mais importantes instituições de pesquisa do País na área de vacinas, ligada ao Ministério da Saúde (MS).

Na Embrapa, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o orçamento executado em 2020 foi o menor dos últimos dez anos, mesmo com a ampliação da área de atuação da empresa. Para 2021, o valor previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) é praticamente o mesmo autorizado em 2020. Porém, é importante destacar que nos últimos anos a empresa vem sofrendo sucessivos cortes e contingenciamentos do orçamento aprovado, o que tem provocado a descontinuidade de vários projetos de pesquisa.

No Estado de São Paulo, que mantém por volta de 60 unidades públicas de pesquisa instaladas em seu território, a não contratação de novos pesquisadores tem sido um indicativo da privatização das instituições. Os institutos de pesquisa ligados à Secretaria da Saúde do Estado, por exemplo, perderam 145 pesquisadores desde 2014. Há também cerca de 2,5 mil cargos vagos das carreiras de apoio à pesquisa (76% do quadro de funcionários), não preenchidos pela ausência de concursos.

Já nos seis institutos de pesquisa ligados à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, há, atualmente, 496 pesquisadores na ativa e 716 cargos vagos. O último concurso para admissão de pesquisadores foi realizado em 2003. Além disso, a Assembleia Legislativa, por meio da Lei N° 16.338/2016, autorizou a alienação de 12 imóveis pertencentes a essa Secretaria.

Destaque deve ser dado ao Instituto Butantã, que é também ligado à Secretaria de Saúde de São Paulo, que foi oferecido pelo governador do Estado, no Fórum Econômico Mundial em Davos, em janeiro de 2019, a investidores internacionais, os quais lucrariam se o tornassem o maior produtor mundial de vacinas. Devido a isso, não nos causaria surpresa se, diante de toda a repercussão positiva do Instituto pela produção de vacinas contra o coronavírus, o Butantã for colocado “à venda” pelo governo do Estado logo que termine a pandemia.

Desse modo, lutar contra a venda do patrimônio e pela contratação de pesquisadores para os institutos públicos de pesquisa é fundamental para que o País produza conhecimento voltado aos interesses sociais.

LUTAMOS CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO!
Além da privatização das instituições de pesquisa, também está em curso a privatização do conhecimento produzido no Brasil. Isso pode ser constatado no processo de proteção e comercialização das pesquisas acadêmicas, por meio do uso do sistema de patentes, o qual tem sido cada vez mais incentivado nos últimos anos.

Segundo dados recentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), as cinco instituições nacionais com maior número de depósitos de patentes de invenção são todas universidades públicas. A Unicamp, que em 2019 era a líder entre elas, detinha naquele ano 1087 pedidos depositados no INPI e 131 contratos com empresas para a exploração de patentes. Chama a atenção que, além das patentes universitárias serem um mecanismo de apropriação privada do conhecimento produzido, o retorno financeiro para as universidades por meio desses contratos de licenciamento também é bastante pífio, haja vista que a Unicamp recebeu R$ 1.607.772 de royalties naquele ano.

Outro mecanismo voltado à apropriação privada do conhecimento foi implementado pelo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei Nº 13.243/2016). Ele permite que os “acadêmicos empreendedores” se transmutem em empresários, de modo a se apropriarem de uma maior parcela dos cerca de 1% do PIB brasileiro que é, anualmente, investido P&D.

O Marco Legal permite a criação de Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovações (ICT) com estatuto jurídico de Organizações Sociais (OS) para o desenvolvimento de atividades de pesquisa, as quais poderão: i) receber recursos públicos de todos os entes federados e fundações de apoio para a cobertura de todas as suas despesas e ii) receber recursos de pessoal (pesquisadores) pagos com recursos públicos. Na prática, os ICT tendem a substituir as instituições públicas de pesquisa. Diante disso, impedir a apropriação privada do conhecimento produzido pelas instituições públicas de ensino e pesquisa brasileiras e aqueles produzidos com financiamento público é indispensável para a promoção do desenvolvimento socioeconômico do País.

Queremos a quebra de patentes para que a sociedade tenha acesso ao conhecimento gerado!
O Brasil, em 2013, foi destacado em estudo produzido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) como exemplar para o “uso célere e eficaz” da quebra de patentes.

Segundo as entidades, experiências práticas mostram que o poder de barganha criado pela possibilidade legal de quebra de patentes pode beneficiar países em desenvolvimento. Ao quebrar a patente do medicamento Efavirenz, para tratamento da aids, o Brasil poupou cerca de US$ 1,2 bilhão com a compra desse produto. O medicamento original custava US$ 15,90 e, o genérico, US$ 0,43. Como destacado por elas, somente a ameaça de quebrar patentes já permite ao governo brasileiro induzir a baixa de preços de remédios.

Voltado à quebra de patentes, tramita no Senado Federal o PL Nº 12/2021, que suspende o Acordo Sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC) enquanto vigorar a situação de emergência de saúde pública relacionada à Covid19 no Brasil.

Portanto, a quebra das patentes é uma forma de garantir a soberania e autonomia do Brasil sem a dependência de fornecedores estrangeiros.

DEMOCRACIA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR E NOS INSTITUTOS DE PESQUISA!
Em fevereiro de 2021, docente de universidade federal foi alvo de processo movido pela Controladoria Geral da União (CGU), acusado de ter proferido manifestação desrespeitosa e de desapreço, direcionada ao presidente da República, quando se pronunciava como Reitor durante transmissão ao vivo nos canais oficiais da instituição. Ele foi acusado de ter ferido o Artigo 117 da Lei N° 8.112/1990, que rege a conduta de servidores públicos.

Há, também, o fato de o MEC ter enviado, em fevereiro de 2021, um ofício circular às universidades federais do País com o qual recomendava que as instituições prevenissem e punissem atos políticos realizados em suas dependências. Todavia, o ofício foi cancelado pelo próprio Ministério poucos dias depois de seu envio.

Essas medidas, no entanto, contrariam decisão do STF, proferida em 2020, a qual diz que restringir o “direito de livremente expressar pensamentos e divulgar ideias”, incluindo as de cunho político-partidário, ainda que durante período eleitoral e com o uso de espaço público das universidades, configura-se inconstitucional.

Para além da questão jurídica, garantir a liberdade de expressão, o embate de ideias e a discordância construtiva é indispensável para a produção de conhecimento que seja socialmente referenciado, voltado aos interesses da sociedade.

DESAFIOS
Devemos explorar a fronteira do conhecimento tecnocientífico de outra forma, de uma maneira que alavanque a sociedade que queremos construir, fundada nos interesses da sociedade e não apenas do mercado.

É fundamental irmos além do crescimento econômico e viabilizar o desenvolvimento socioeconômico, baseado na distribuição de renda, na diminuição das desigualdades sociais e regionais, na geração de postos de trabalho, na soberania alimentar e na preservação ambiental, com participação nas decisões pelos diferentes segmentos da sociedade.

No momento atual, é ainda mais fundamental explorarmos essa fronteira do conhecimento baseada nesse modelo que queremos, dada a grave crise social potencializada no Brasil pela pandemia do coronavírus. O desemprego entre jovens de 18 e 24 anos aumentou para 27,1%. As pessoas perderam cerca de 30% do rendimento de seus salários mensais. Os trabalhadores autônomos perderam cerca de 40% de suas rendas mensais, segundo dados do IBGE.

A mudança da matriz produtiva necessária para modificar esse cenário atual implica demandas cognitivas originais e complexas. Sua satisfação impõe a nossas instituições de ensino e pesquisa o desafio de empregar seu potencial para, em conjunto com os empreendimentos solidários, gerar as soluções tecnocientíficas necessárias para ajudar a construir as soluções que nossa população merece.

Abril, 2021

Assinam este manifesto

* ADunicamp (Associação dos Docentes da Unicamp)
* Adunesp (Associação dos Docentes da Unesp)
* Adusp (Associação dos Docentes da USP)
* ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior)
* APAER (Associação Paulista de Extensão Rural)
* APG-FE/Unicamp (Associação das Pós-graduandas e Pós-graduandos da Faculdade de Educação da Unicamp)
* ASFOC SN (Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz)
* Colegiado de Zootecnia da UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)
* Coletivo dos Estudantes Indígenas da Unicamp
* FENASPS (Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social)
* Fórum das Seis
* GAPI/Unicamp (Grupo de Análise de Políticas de Inovação)
*Grupo de Pesquisa Sociedade, Ciência e Tecnologia do PPGDR – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, na UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná
* LEIA/Unicamp (Laboratório de Engenharia Ecológica e Informática Aplicada)
* NETES/UNIFESP (Núcleo Educacional de Tecnologia Social e Economia Solidária)
* SASP (Sindicado dos Arquitetos no Estado de São Paulo)
* Seção Sindical Campinas e Jaguariúna do SINPAF
* SINPAF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário)
* SINTEPS (Sindicato dos Trabalhadores do Centro Paula Souza)
* SINTPq (Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia – SP)
* SINTUSP (Sindicato dos Trabalhadores da USP)

* Addolorata Colariccio – Pesquisadora Científica do Instituto Biológico
* Adma Cristhina Salles de Oliveira – UEMS
* Alberto Feiden – Pesquisador de Agroecologia e professor de pós-graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável
* Ana Maria Peixoto
* Carlos Raul Etulain – FCA Unicamp
* César Augusto Minto – professor na FEUSP
* Cristine Hirsch Monteiro – CCS/UFPB
* Danilo Junqueira Leão – Professor pesquisador da UESB
* Dayse Iara dos Santos – Unesp Campus Bauru
* Edvaldo Antonio de Almeida – SJSP (Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo)
* Eleonora Albano – professora no IEL/Unicamp
* Eliana Goldfarb Cyrino – Faculdade de Medicina de Botucatu/ FMB-UNESP
* Enio Fraga da Silva – SINPAF Solos
* Fabricio Gallo – Professor da Unesp Rio Claro
* Felipe Primo – Representante discente do curso de Publicidade ECA/USP
* Gedalva Souza – doutoranda do DPCT/IG/UNICAMP
* Geraldo Magela Ferreira
* Heloisa Ferreira Filizola – Pesquisadora Embrapa Meio Ambiente
* Ivan André Alvarez – Pesquisador Embrapa
* Joaquim Adelino – Pesquisador SAA/APTA/APTARegional
* José Domingues de Godoi Filho – Professor da Universidade Federal de Mato Grosso
* Juliana Schober Gonçalves Lima – Professora no DEPAQ/Universidade Federal de Sergipe
* Marciano Serrat – UFPel
* Maria Dionísia Dias – FMB-Unesp
* Marilda Lopes Ginez de Lara – professora ECA/USP
* Marilia L. Washington – UFSCar (docente aposentada)
* Marilsa Miranda de Souza – Grupo de Pesquisa História, sociedade e educação no Brasil- HISTEDBR-UNIR
* Michele Schultz – professora na USP
* Miriam Foresti – Unesp
* Miriam Hubinger – professora da Unicamp
* Orlando Oliveira Silva – aposentado, Sinpaf
* Osmar de Carvalho Bueno – Unesp
* Patricia Clissa – pesquisadora no Instituto Butantan
* Paulo Vieira Neto – APUFPR-SSind
* Pedro Luiz Martins Soares – Professor Unesp
* Sandro Rogério Do Nascimento – UFRJ
* Sérgio Gomes Tôsto – Pesquisador Embrapa Territorial
* Simone Andrade Gualberto – Professora Plena da UESB
* Valdemir Antonio Peressin – Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas
* Vanderlei Aparecido Orso – Conselheiro CEUS Unifesp

Assine o manifesto aqui.

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