Moção em defesa da pesquisa científica ambiental do estado de SP

A Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) procurou o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM) para a construção da seguinte moção endereçada ao Governo do Estado de São Paulo, ao Ministério Público Estadual, ao Poder Judiciário e a outras instâncias. Nosso apelo é para que sejam tomadas providências urgentes para a manutenção integral das atividades de pesquisa científica, da identidade dos Institutos de Botânica, Florestal e Geológico, de suas áreas experimentais e demais funções dessas históricas instituições, considerando sua importância como patrimônio cultural brasileiro de natureza imaterial. Pelo fim dos retrocessos na área ambiental!

MOÇÃO EM DEFESA DA PESQUISA CIENTÍFICA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

A presente MOÇÃO visa externar indignação contra o retrocesso ambiental que paira sobre a pesquisa científica em matéria ambiental no Estado de São Paulo, o que traz sérias ameaças para o futuro da qualidade ambiental paulista, diante dos “considerandos” a seguir apresentados:
Considerando que apesar de apresentar o Brasil graves retrocessos ambientais, São Paulo, em função de sua formação histórica, científica e de cidadania, não apresenta motivos para seguir caminhos antissustentabilidade, por contar com perfil que aponta para políticas ambientais progressistas, pró sociedade e pró sustentabilidade;
Considerando que, mesmo assim, os Institutos de Pesquisa: Instituto de Botânica, Instituto Florestal e Instituto Geológico foram inexplicavelmente extintos pelo governo de São Paulo, sem sequer propor como contrapartida medidas para manter a qualidade da pesquisa científica estatal em matéria ambiental;
Considerando que a pesquisa com atividades associadas é o principal pilar que fundamenta a atuação das instituições e que a partir dela se originam e se firmam novos conhecimentos;
Considerando que o conhecimento gerado resulta em produtos, processos e tecnologias, bens culturais e práticas inovadoras que, além de constituir patrimônio público cultural imaterial, por sua vez, irão gerar desenvolvimento efetivo e qualidade de vida para a sociedade;
Considerando que a aplicação da ciência é uma atividade essencial associada ao manejo, à conservação ambiental e à produção florestal, portanto inerente à política ambiental estatal, que se reflete na manutenção da qualidade ambiental e da saúde pública e que não pode sofrer retrocessos;
Considerando que a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) representa um acordo global visando à concretização do desenvolvimento sustentável, sendo que a União Internacional Para Conservação da Natureza (UICN) recomenda que todo e qualquer uso de recursos naturais seja equitativo e ecologicamente sustentável e que, portanto, a geração do conhecimento (pesquisa), a conservação da natureza e o uso sustentável formam um ciclo que se retroalimenta;
Considerando que a pesquisa na área florestal requer que as instituições mantenham coleções vivas in situ e em herbários, bibliotecas específicas, arboretos, estufas, xiloteca, museus e viveiros, que atenderão pesquisadores e a sociedade (Uso Público com finalidade de Educação e de Desenvolvimento Ambiental), bem como jardins botânicos e hortos;
Considerando que como resultado de um processo histórico os Institutos de Botânica, Florestal e Geológico desenvolvem pesquisas e as implementam com vistas ao uso racional de recursos ambientais e proteção de ecossistemas, e que a contribuição dessas instituições configurou a criação da própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente paulista;
Considerando que o Instituto Geológico (IG) teve seu nascedouro em 1886 na Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, com a finalidade de realizar estudos de solos, rios, fauna e flora; que o Instituto Florestal (IF), oriundo do Horto Botânico da Cantareira de 1896, iniciou a experimentação científica pesquisando espécies naturais e exóticas, objetivando a restauração e a produção florestal; que a história do Instituto de Botânica (IBt) está ligada à do Jardim Botânico de São Paulo, que iniciou suas atividades em 1917, para o estudo de plantas medicinais;
Considerando que essas instituições centenárias, ao longo de suas existências, diversificaram pesquisas e construíram reputação nacional e internacional reconhecida por outros cientistas, contando com trânsito internacional para a realização de parcerias e intercâmbios que possibilitam financiamentos primordiais para o desenvolvimento da pesquisa científica;
Considerando que os Institutos de Botânica, Geológico e Florestal integram os Sistemas Nacional e Estadual de Meio Ambiente e desenvolvem atividades de administração, manejo, manutenção, proteção, conservação e criação de espaços territoriais especialmente protegidos;
Considerando que a história da política ambiental paulista decorre em grande parte do desenvolvimento dessas instituições, já que os Institutos de Botânica e Florestal criaram Unidades de Pesquisa, Conservação, Produção e Uso Público, em larga rede que atende o interior paulista há décadas; e que estas Unidades Florestais necessitam de uma administração integrada com base na Pesquisa Cientifica;
Considerando que os Institutos de Pesquisa gozam de motivação, regularidade e transparência em suas atividades e orçamentos, configurando importantes pilares do sistema de administração ambiental paulista na formulação e implementação de políticas públicas, não havendo justificativas apresentadas para sua extinção;
Considerando que o Instituto Florestal foi o responsável pela criação e desenvolvimento da rede de Unidades de Conservação da Natureza do Estado de São Paulo (UCs), com mais de um milhão de hectares e que administrava 47 áreas protegidas, totalizando mais de 51.500 ha ligados à história dos próprios municípios que as abrigam, incluindo estações experimentais e florestas estaduais, administradas com conhecimento científico e tecnológico e voltadas ao manejo e à experimentação florestal;
Considerando que o Inventário Florestal da Vegetação Nativa de São Paulo, publicado em 2020, mostra que 22,9 % da Mata Atlântica e ecossistemas associados ainda subsistem e que, no entanto, a vegetação nativa do interior paulista (Cerrado e Floresta Estacional Semidecidual) está reduzida a menos de 8% da distribuição original (Biota/Fapesp, 2008), sendo que o Código Florestal preconiza 20% obrigatórios e que as Áreas Especialmente Protegidas (AEPs) do Instituto Florestal contêm estes Biomas ameaçados; sendo que as atividades do IF permitem a reconstituição de Áreas de Preservação Permanente (APPs);
Considerando que as AEPs do IF abrigam Patrimônio Natural com riqueza ímpar de biodiversidade, em mais de 50.000 ha, e há a possibilidade de se reestabelecer uma rede que perpetue os Biomas do Interior. Para tanto é imprescindível que a SIMA não se aventure em outra tentativa de negociação de AEPs com “Chamamento Público”, conforme consta da Ação Civil Pública nº 1017320-91.2017.8.26.0053;
Considerando que em São Paulo não há certificação de sementes, condição que prefigura perda de biodiversidade a cada plantio, sendo que apenas nas AEPs do IF é possível, quase que exclusivamente, coletar sementes nativas das florestas do interior (Florestas Estacionais) para efetiva restauração ecológica; e que o desinteresse do poder público em providenciar garantias adequadas de conservação para a AEPs, que são bens públicos a serem protegidos, impedirá a esperança de as gerações futuras vivenciarem estas florestas únicas e criticamente ameaçadas;
Considerando que mantidas as devidas proporções, São Paulo tem suas florestas do interior – um sertão paulista com desenvolvimento urbano e rural com baixa cobertura florestal – em estado bem mais crítico em perda de cobertura florestal originária do que a Amazônia;
Considerando que o Instituto Florestal é autossustentável e representa lucros para o Estado de São Paulo, com projeção de arrecadação de R$ 18,55 milhões para 2021, o que equivale a 5,7 vezes o seu Valor Referencial de Custeio, o que faz de sua extinção um fato incompreensível, sem justificativa ou motivação plausível consistindo em subtrair, da sociedade paulista, uma Instituição centenária que presta uma gama de serviços socioambientais, ecossistêmicos, e detém a expertise para sua continuidade e desenvolvimento.
Considerando que a extinção dessas instituições não contou com o devido debate público e tramitou em regime açodado pelo PL nº 529/2020, sem a apresentação de justificativas ou motivações plausíveis, em forma de estudos sobre qualquer economia que possa advir para os cofres públicos e nem comprovação de viabilidade técnica e operacional nos processos de fusão e extinção, demonstrando total desprezo pela ciência nacional e pelos bons princípios que norteiam a administração pública;
Considerando que o processo de extinção das instituições foi drasticamente alterado, pois originalmente os Institutos de Botânica, Florestal e Geológico não constavam do PL nº 529/2020 que resultou na Lei nº 17.293/2020, promulgada às pressas com falta de motivação, informação e de prudência sobre as consequências das mudanças – o que é ainda mais incompreensível por não se tratar de autarquia nem fundação, e nem possuir cargos em comissão, sendo órgãos da administração direta, e que incompreensivelmente foram inseridos às vésperas da publicação do PL;
Considerando que a Fundação Florestal para a Conservação e a Produção Florestal do Estado foi criada com o objetivo de realizar a gestão dos recursos financeiros advindos da comercialização de produtos resultantes das atividades de pesquisa do Instituto Florestal, e portanto, não possui atribuição para a gestão de áreas protegidas;
Considerando com o advento da Lei nº 17.293/2020, e sobretudo o decreto do Sieflor 3, Decreto no 65.274, de 26/10/2020, não teve apreciação nem aprovação pelo Consema, sendo as Áreas Especialmente Protegidas (AEPs) entregues à Fundação Florestal (FF), deixando as Unidades sem a adequada gestão, o que causa mais estranheza por se tratar de um erro reiterado, pois isso já havia ocorrido em 2006, em iniciativa atabalhoada que culminou com a devolução das AEPs ao IF;
Considerando a imprescindível reciprocidade intrínseca e sinérgica entre a carreira de Pesquisador Científico, as Carreiras de Apoio à Pesquisa – Auxiliar, Agente, Oficial e Técnico – e de Assistente Técnico de Pesquisa Científica e Tecnológica e o objetivo da categoria Estação Experimental, Área Especialmente Protegida de Pesquisa, Conservação e Produção Sustentada;
Considerando a importância das instituições na formação de quadros profissionais, já que a Lei nº 125/1975 da carreira de Pesquisador Científico, as Leis nos 661/1991, das Séries de Classes de Apoio à Pesquisa (Auxiliar, Agente, Oficial e Técnico) e 662/1991, de Assistente Técnico de Pesquisa Científica e Tecnológica, definem as instituições para onde alocar estes profissionais (Institutos de Botânica, Florestal, Geológico e outros);
Considerando que as AEPs administradas pelo Instituto Florestal possuem estruturas e recursos humanos destinados pela administração pública; que as áreas protegidas estão alocadas em Seções Técnicas chefiadas por pesquisadores científicos; e que, portanto, a transferência da Administração dessas 47 áreas implicará em contratação de profissionais, gerando custos ao invés de economia ao Poder Público e certamente implicando em outros prejuízos maiores ainda ao patrimônio ambiental paulista, ao dissociar a pesquisa da conservação e produção, substituindo profissionais com expertise lapidada ao longo de muitos anos;
Considerando que a Constituição Federal (Art. 216 CF) considera como “patrimônio cultural brasileiro os bens da natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (…) III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; (…) V – os conjuntos urbanos e sítios de valor (…) ecológico e científico. § 1º – O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.” (grifamos)
EM CONCLUSÃO,
● Os Institutos de Botânica, Florestal e Geológico possuem missões distintas, não havendo sobreposição entre eles e nenhum fundamento ou motivação para a fusão em uma única instituição.
● Estes institutos já atuam de forma integrada no atendimento de políticas públicas voltadas à população.
● A fusão não melhorará a eficiência dos Institutos de Pesquisa da SIMA, muito menos reduzirá os custos do Estado nessas áreas ;
● O Instituto Geológico atende políticas setoriais estratégicas tais como: planejamento, transportes, habitação, defesa civil, prevenção de riscos e gestão de desastres naturais, recursos hídricos, energia e mineração;
● A área de Geociências é fundamental para o desenvolvimento socioeconômico do Estado de São Paulo, e o IG cumpre este papel na sociedade;
● A própria Subsecretaria do Meio Ambiente informa que uma eventual extinção do Instituto Florestal não traria economia alguma de recursos ao Estado de São Paulo, vide Ofício SIMA nº 249/2019.
PEDIDO
Diante do exposto, os signatários da presente MOÇÃO solicitam ao Governo do Estado de São Paulo, ao Ministério Público Estadual, ao Poder Judiciário e a outras instâncias responsáveis, que sejam tomadas providências URGENTES para a manutenção integral das atividades de pesquisa científica, da identidade dos Institutos de Botânica, Florestal e Geológico, de suas áreas experimentais e demais funções dessas históricas instituições, considerando sua importância como patrimônio cultural brasileiro de natureza imaterial, impedindo retrocessos em matéria ambiental, em observância da LEGALIDADE e do exercício da JUSTIÇA!

São Paulo, 12 de março de 2021.

Fonte: APqC, disponível em https://portal.apqc.org.br/5210-2/

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